Humanismo e maçonaria

Sócrates foi o indivíduo que mais influenciou o desenvolvimento da filosofia humanista. Desenvolveu ideias próprias, fundamentadas nos problemas humanos. Ele “trouxe a filosofia do céu para a terra, deu-lhe um lar nas cidades, forçando as pessoas a pensar sobre o bem e o mal, a vida e a moral”. Sócrates foi um racionalista que acreditava firmemente na razão humana, e criou a ideia de que o pensamento correcto produz a acção correcta. Aquele que sabe o que é o bem será bom, e só quem é bom poderá ser um ser (Publicado em freemason.pt) humano contente; quando fazemos o mal, é porque não conhecemos nada melhor do que isto. Assim, é importante ampliar os nossos conhecimentos. Para saber o que é certo ou errado, é crucial a nossa convicção interna, e não obedecer a mandamentos e regras herdadas. A verdadeira sabedoria consiste em ser consciente daquilo que não sabemos.
Os estóicos representam outra importante contribuição para a história do humanismo. Escola filosófica fundada em Atenas por volta de 300 a. C., eles acreditavam que a base para se decidir entre o certo e o errado estava na própria natureza. Todos compartilham o mesmo entendimento universal, diziam; logo, deve existir uma justiça universal, a chamada justiça natural ou lei natural. Sendo a lei natural fundamentada na compreensão do homem, ela não se altera com o tempo e aplica-se a todos os seres humanos, independentemente da sua classe social. Vários ideais e lemas do humanismo tiveram a sua origem nos estóicos: ”O homem perante outro homem permanecerá inviolado”.
O humanismo contemporâneo deriva basicamente do humanismo renascentista. A partir de meados do século XIV, a arte e a cultura, a ciência e o pensamento tomaram uma nova direcção na Europa. Este movimento começou em algumas cidades da Itália central, mas nos séculos seguintes foi-se espalhando para o Norte. A palavra renascença significa “renascimento”, “novo nascimento”. E quem estava a nascer de novo era o humanismo da Antiguidade. Durante a Idade Média, a filosofia e a moral cristãs dominavam a cena. Agora os humanistas da Renascença voltavam a aprofundar-se nas culturas pré-cristãs da Grécia e de Roma, ao passo que a Idade Média passava a ser percebida como uma época obscurantista e bárbara, separando duas épocas de ouro.
“Voltar às fontes”, isto é, à arte e à cultura da Antiguidade, tornou-se a palavra de ordem, incluindo também a aspecto educacional. Os humanistas da Renascença não viam contradição entre a cultura clássica e o cristianismo, e trouxe uma redescoberta do valor do ser humano. Nasceu uma nova fé na humanidade. O homem agora era visto como algo grandioso e belo. “Conhece-te a ti mesmo, ó raça divina em forma humana!”. Se o homem conseguisse desenvolver-se livremente, o seu potencial seria ilimitado. Os humanistas romperam com as velhas autoridades e começaram a ver o mundo com os seus próprios olhos. Isto estabeleceu uma base inteiramente nova para a ciência. O método experimental passou a existir. Cada pesquisa tinha de ser fundamentada na observação, na experiência e na experimentação.
O século XVIII viu surgir um novo capítulo na história do humanismo: o Iluminismo, que começou na Inglaterra e logo se difundiu na França, onde atingiu o seu apogeu. Os filósofos do Iluminismo tinham uma fé inabalável na razão humana, que por isso é conhecido como Idade da Razão. O objectivo era estabelecer uma base moral, religiosa e política coerente com a razão. Agora era a massa que precisava ser esclarecida, este era o pré-requisito para uma sociedade melhor, pois a carência e a opressão tinham como causas a superstição e a ignorância. Deu-se muita atenção à educação das crianças e também à educação popular, se a razão e o conhecimento conseguissem expandir-se, a humanidade avançaria. Com igual intensidade, os filósofos do Iluminismo procuraram (Publicado em freemason.pt)derrubar os baluartes sociais, lutando pela inviolabilidade do indivíduo, e isto relacionava-se com a liberdade de imprensa. Quer fosse em assuntos religiosos, morais ou políticos, o direito do indivíduo a expressar as suas opiniões tinha de ser garantido.
O valor supremo do indivíduo foi formulado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela Assembleia Nacional francesa em 1789. Esta declaração formou a base para a Declaração dos Direitos Humanos da ONU em 1948.
A grande maioria dos humanistas da Renascença era cristã por convicção. Muitos humanistas do Iluminismo também se consideravam cristãos e acreditavam que o humanismo nada mais era do que o cristianismo interpretado correctamente. Muitos ideais humanistas estão expressos na Bíblia, inclusive a ideia de que todas as pessoas têm igual valor. “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus”. A caridade e a misericórdia também são ideais humanistas que têm um papel central no cristianismo.
Através dos tempos, os humanistas cristãos criticaram o poder eclesiástico e a intolerância religiosa, enquanto ressaltavam as necessidades religiosas do homem. É a razão humana e a sua capacidade de percepção religiosa que fazem do homem mais do que um mero animal. Este último ponto em particular distingue o humanismo cristão daquele conhecido como humanismo profano (não sagrado). Já na Renascença havia tendências para o humanismo profano, mas foi apenas no século XIX que este rompeu totalmente com a tradição humanista cristã. Isto ocorreu por causa das novas descobertas científicas, em especial a teoria do biólogo Charles Darwin sobre as origens do homem (a teoria da evolução).
Podemos afirmar que o humanismo se caracteriza por uma forte confiança na razão humana. Mas precisamos usar também a nossa capacidade de recolher experiências. A nossa razão e a nossa experiência é que formam a base de tudo o que conhecemos do mundo. Os humanistas reconhecem que as faculdades humanas são limitadas. Há perguntas que não conseguimos responder. Há enigmas que não conseguimos solucionar. Mesmo assim, faz parte do ser humano formular ideias acerca do desconhecido.
Os humanistas costumam definir o homem como um ser espiritual. Ele tem mais capacidade e mais potencial do que qualquer outra criatura, e tem uma liberdade muito diferente da de qualquer outro ser vivo. Outro ponto capital: ele tem a capacidade de criar algo por meio do seu trabalho e das suas actividades artísticas. Segundo os humanistas, cada ser humano é uma criação única. Mas embora sejamos diferentes, todos os homens têm igual valor. A tolerância mútua das diferenças que distinguem as pessoas é um dos (Publicado em freemason.pt)ideais mais importantes do humanismo, e o objectivo ideal é que todos os seres humanos consigam realizar o seu potencial e os seus talentos.
Concluindo, a ética humanista estabelece que certos valores e normas básicas podem ser estabelecidos com base puramente na razão humana. O princípio ético superior do humanismo é o princípio da reciprocidade: “Trata os outros como gostarias de ser tratado”. Com a sua ênfase na vida sobre a terra, no aqui e agora, os humanistas apoiam uma prosperidade material crescente. Mas este objectivo deve ser constantemente julgado de acordo com valores fundamentais e com qualidade de vida no sentido mais amplo. A meta não é alimentar um impulso cego para a eficiência, nem um materialismo complacente. Neste caso, o humanismo critica o progresso materialista e tecnológico unidimensional, seja sob a forma socialista ou capitalista.
António César Dutra Ribeiro
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